Cannabis na terapêutica de Alzheimer

CANNABIS NA TERAPÊUTICA DE ALZHEIMER

Fabiana Novaes

É comum ouvirmos que o primeiro aspecto clínico na Doença de Alzheimer costuma ser a perda de memória recente, enquanto lembranças mais remotas são preservadas até determinado estágio da doença. Dificuldade de atenção, fluência verbal e deterioração cognitiva fazem parte do quadro, conforme a patologia evolui. Também pode haver dificuldade na realização de cálculos, diminuição da habilidade visual espacial, na utilização de objetos e ferramentas comuns. Sabe-se ainda que o tratamento utiliza remédios específicos, que não impedem a evolução do quadro e o surgimento de outros sintomas com o tempo. Porém, pesquisas estão sendo feitas em diversos aspectos, e quanto mais se desdobram, mais possibilidades interessantes se apresentam. Vamos a elas.

Pesquisas interessantes vêm se ocupando de identificar quatro mutações genéticas mais comuns e, com estudos associados ao sistema de sequenciamento de genoma, foi possível determinar variações de polimorfismo em vários lugares simultaneamente. A implementação do método vem elencando várias mutações potenciais, que podem não só ser responsáveis pelo aparecimento da DA, como também ser hereditárias. Ferramentas de bioinformática e análise do gene estão se desenvolvendo para a codificação de proteínas em tecidos cerebrais com potencial de uso como marcador para diagnósticos. O estudo dos eventos que ocorrem dentro da célula no princípio da doença de Alzheimer pode ajudar a antecipar um diagnóstico e/ou realizar o seu controle.  

Outro ponto que ganha atenção das pesquisas mais recentes é a observação de um tipo de célula do sistema nervoso central que realiza uma vigilância ativa do tecido cerebral e medula (micróglia), bem como sua relação com a imunidade e manutenção da homeostase do cérebro. A neuroinflamação induzida por microgliopatia é uma das principais causas patológicas de neurodegeneração. Por isso a associação entre o gene TREM-2 e a microgliopatia também tem sido amplamente discutida, como ponto relevante aos estudos dos distúrbios neurodegenerativos, assim como o papel de outros genes.

Apesar de não haver ainda resolução de longo prazo para a neurodegeneração, a expansão dessas e outras pesquisas permite desdobramentos de descobertas importantes. Desde a extrema relevância do mapeamento genético, entendimento do metabolismo e alterações decorrentes de DA, à relevância da atuação de enzimas específicas e proteínas de modo equilibrado. Mesmo o consumo alimentar tem relevância. No caso da substância ativa da cúrcuma e do CBD, por exemplo, a contribuição tem sido considerada benéfica; já o glúten figura como potencial agente inflamatório do cérebro e do corpo, e deve ser evitado.

No caso do uso da cannabis como terapêutica nas pesquisas em Alzheimer e doenças neurodegenerativas, o sistema edocanabinoide está na mira das investigações. O conhecimento de que compostos canabionoides externos, como os fitocanabinoides extraídos da cannabis sativa, podem atuar no cérebro, vem chamando atenção significativa na última década. Presume-se que os endocanabinoides fazem a mediação e modulação das funções sinápticas, de modo que novas pesquisas buscam ajudar na elucidação do mecanismo molecular exato, dado que os processos são complexos, incluindo aprendizagem, memória e funções cognitivas. Não só os neurotransmissores, como os fitocanabinoides atuam enquanto ligantes para os receptores do sistema. Dos numerosos tipos de canabinoides presentes na cannabis, o CBD (canabidiol) e o THC (delta-9-tetrahidrocanabinoide) vem sendo largamente estudados por suas atuações sobre os modelos de DA, no controle de sintomas motores e não motores.

De acordo com relatos científicos de estudos com modelos camundongos portadores de DA tratados com CBD, a identificação das formas precisas de atuação das substâncias e os caminhos moleculares que percorrem requer mais estudos quanto à neurodegeneração em Alzheimer. Ao mesmo tempo, os mesmos relatos já conseguem apontar para atuação do CBD como medicamento potencial na terapia preventiva de longo prazo para DA. O impacto se mostra positivo ainda nos aspectos da retirada social (tendência a não sociabilidade) e reconhecimento facial, déficts comuns relacionados à doença. E mesmo sem a compreensão pelna dos mecanismos moleculares atualmente, em pesquisas realizadas com primatas celulares e não humanos apontaram efeitos positivos também para a neurodegeneração, com uma observação importante: a literatura evidencia que a combinação de THC-CBD apresenta melhor efeito neuroprotetor em comparação com a administração individual dos dois compostos. O resultado nesse sentido dependerá da dose e do tempo, bem como das proporções adequadas do THC administrável para a quantidade de CBD respectiva. .

Estudos realizados por pesquisadores da Universidade Bar-llan e Sackler Faculdade de Medicina (Israel), publicaram em em 2016 um estudo sobre o tetrahydrocannabidiol como tratamento em potencial para Alzheimer. O objetivo era mensurar a eficácia e segurança do óleo medicinal de cannabis contendo THC, como um adicional à farmacoterapia, para melhoramento comportamental e sintomas psicológicos decorrentes da demência. Onze pacientes foram selecionados para um teste de 4 semanas e o resultado foi que dez pacientes o completaram apresentando redução significativa no índice referente à impressão clínica global (de 6.5 para 5.7) e na pontuação do Inventário Psiquiátrico – NPI (44.4 para 12.8). De acordo com os pesquisadores, os domínios de diminuição significativa no Inventário foram agitação/agressão, irritabilidade, delírios, apatia, sono e angústia do cuidador. Conluiram que a adição do óleo medicinal da cannabis à farmacoterapia do paciente com DA é segura e uma opção de tratamento promissora.

No aspecto farmaêutico, o uso de fitocanabinoides em ensaios clínicos baseados em DA ainda é limitado, pois a síntese de moléculas únicas tem sido o modelo dominante. Porém, a sinergia botânica demonstrada contemporaneamente de forma ampla, indica as contribuições que trazem os canabinoides menores e os terpenoides da Cannabis para o conjunto do efeito farmacológico da planta. Efeito estudado pelo Dr. Ethan Russo 1998 e já apontado pelos pesquisadores Rephael Mechoulam, e Shimon Ben-Shabat, ao defenderem que o sistema endocanabinoide possuía uma variedade de produtos “inativos” resultantes do metabolismo de substâncias e moléculas intimamente relacionadas que aumentavam de forma acentuada a atividade dos canabinoides endógenos primários anandamida e 2-AG. Esta dinâmica foi denominada efeito entourage (ou enfeito comitiva). Segundo Russo, isso “ajudou a explicar como as drogas botânicas eram frequentemente mais eficazes do que seus componentes isolados”. Por exemplo, um estudo recente a respeito de linhas diversas de células de câncer de mama revelou a superioridade de um tratamento com extrato de Cannabis (chamado full spectrum) ao THC puro. Aparentemente tal resultado se deve à presença de pequenas concentrações de cannabigerol (CBG) e ácido tetrahidrocanabinólico (THCA) no extrato integral. Resultado semelhante se observou em testes de aplicação de canabidiol como anticonvulsivante: empregaram-se cinco extratos diferentes com concentrações iguais de CBD em camundongos com convulsões induzidas. Embora todas as cinco substâncias tenham demonstrado benefícios, as diferenças notórias destacaram a relevância dos componentes menores. 

Uma preparação de cannabis ou isolamento de molécula única de forma pura implica na redução do potencial sinérgico na utilização do extrato. Sobre este tópico, o Dr. Ethan Russo relata dados médicos de aplicações de alto teor de CBD no tratamento de epilepsia grave, síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut. Os resultados indicam que 71% dos pacientes melhoraram com extratos com CBD predominante, enquanto 36% melhorou com CBD purificado. Ambos os grupos melhoraram em 50% com relação à frequência das crises e 10% se livraram delas. Um dado que chama atenção pela divergência marcante, são as doses diárias: o grupo que melhorou com CBD purificado precisou de 27,1 mg; os que melhoraram com extrato de Cannabis rico em CBD usou uma dose de 22% daquela necessária ao grupo que usou o CBD isolado. Além do mais, houve maior ocorrência de eventos comprovadamente adversos (tanto leves como graves) em pacientes que usavam CBD purificado, comparado aos pacientes que usaram extrato rico em CBD.

Esse resultado (menores efeitos adversos no consumo do extrato) se relaciona à menor dose utilizada, alcançada pelas contribuições sinérgicas de outros compostos de entourage. Tais observações suportam a hipótese de maior eficácia para extratos de Cannabis combinando vários componentes anticonvulsivantes como CBD, THC, THCA, THCV, CBDV, linalol etc. É possível concluir que o uso completo da planta se mostra mais benéfico aos pacientes do que a utilização de substâncias isoladas (seja CBD, THC ou outras), pois mesmo os canabinoides menores ou os terpenos têm função importante no efeito conjunto que a cannabis produz. Obviamente, há de se observar as doses, concentrações respectivas e tempo de utilização.

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